quinta-feira, 7 de maio de 2015

Nossa Senhora do Beco


Nasceu! Nasceu!
(Pais e vizinhos se abraçaram)
Fogos de artifício iluminaram nuvens.
Cresceu o corpo delicado e feminino.
Feminino?

Realizaram dezenas de orações,
consultas aos médicos e benzedores.
Chás de ervas não curaram trejeitos.

Recebeu maus-tratos em casa,
na escola, festas e nas igrejas.

( A cidade ficou escura, as portas se fecharam).

- Fugiu para São Paulo, New York ou Paris?

( Amigas e amigos perguntavam do seu destino)

Voltou com nádegas de espuma
 e os seios fartos de silicone barato.

- Fugiu?
- Não.

Desapareceu de camisola azul,
 seguindo caminhos para lugar nenhum.

Morreu.

Ninguém celebrou a Missa da Piedade
ninguém viu circular dentro da noite,
o rosto fúlgido com machas de sol.

Ninguém derramou a lágrima cínica,
para molhar as flores de pano.

Morreu pneumônica, anêmica, aidética.
Pálida solidônia do hospício urbano.

Morreu lentamente.
Em casa, no beco, nos braços da polícia
e na malícia dos moleques donos da rua.

Banhou-se no cuspe e no escarro dos filhos de Deus.
Ninguém ouviu relatos de amores rolados na lama.

II

Subiu aos céus iluminada pelos faróis das locomotivas.
Morreu sacrificada pela honra e glória das almas tortas.

Ó, Silvia! Santa Senhora dos Bêbados Sem Grana.
Salvai todos aqueles que nada sabem
 dos martírios dos santos.

Não somos donos de nada.
Tudo é poeira ao vento.

Somos covardes.
Adormecemos nas igrejas,
ocultamos nossos pecados,
adoramos nossas máscaras.
Nada falamos das virtudes
da fuga dos ladrões
com lampiões acesos.

Celebramos uma vida iluminada,
cantamos com alegria todos os hinos.
Somos criminosos, safados, impiedosos.
Não beijamos as senhoras,
santas almas dos prostíbulos.

Sabem do cheiro fétido da carne humana,
do que todos os sábios do mundo.

Ó, Silvia! Nossa Senhora do Beco!
Mostrai aos homens a origem dos pecados.
Descei sobre nuvens douradas.
Agasalhai-nos no teu manto
bordado de cristais.

Dai-nos  as hóstias dos céus.
Ó, Silvia! Santa iluminada.

Livrai-nos de todas as culpas.
Cantai hosanas frenéticas.

Libertai-nos  da oração sem mistério.
Atendei nossas súplicas.
Dai-nos forças para beijarmos
com lábios de lâminas,
 a boca suja dos homens.

Amém.

quinta-feira, 19 de março de 2015

A Moça da Janela



A moça da janela
Vive calada. Guarda
na dobra das saias
 a saudade das festas.

Carrega nos olhos
 sombra e tristeza,
atrás dos óculos
pesados e escuros.

Em segredo, namora
o moço, funcionário
do Banco.

Sonha em cores,
beija retratos.

Num dia nublado,
fechou a janela.

Foi vista numa loja
perto da rodoviária.

Comprou sandálias
vermelhas, brincos
de pérolas e rubis.

 Na igreja
de N. S. das Neves,
fez longos pedidos.

Às seis horas da tarde,
descansa os cotovelos.
Espera sentada o moço
bonito do caixa do banco.

 

quarta-feira, 18 de março de 2015

O amor nas mãos


A verdade do amor
não corta caminhos.

Não quebra vidraças.
Mostra-se nas praças.

Revela-se no vento,
nas linhas do tempo,
 uma vida nas mãos.

Na rua


Na rua cantaram poemas
 sem títulos nas páginas.

Víamos nos bares,
um jogo de contas,
um terço de mágoas.

Caminhos seguiram
um menino calado.

Viram seus olhos
meu rosto cansado.

Havia medo e pranto
nos sonhos contados.

Os dedos apagaram
as cores do  mundo.

Segredos e pecados
as mãos revelaram.

 

terça-feira, 17 de março de 2015

É preciso dançar



É preciso dançar
e guardar no rosto,
o cheiro da chuva.

Dance no vento,
e nas ondas do mar.

Célebres são os passos

Liberte o humor
no seu olhar.

Dance.
 Livre é o corpo
na terra, no ar.

 

Molduras




Pintura mínima,
moldura máxima.

O brilho acima
da fina pasta.

Na rosa face
a hora passa.

 No falso abraço
o amor é  lasso.

Nem tudo é graça,
nem tudo é dor.

Na tela gasta,
o tom da cor
apaga beijos.

segunda-feira, 16 de março de 2015


A Inspiração


A fagulha queima a palha.
Tece a chama sem agulha,
fios de nylon e algodão.

Na escuridão, os dedos
tocam tecidos, bordam
destinos na mão.

Borbulha a nata do leite,
na hora do café e do pão.

A velha mortalha embola.
Embora a tarde escreva
versos sem  inspiração.